sábado, 13 de outubro de 2012

Pincelada de eternidade

A festa acabou, era hora de nos despedir. Flor pegou o seu casaco, vestiu o seu melhor sorriso e cumprimentou um a um.
- Tchau, querida. Fica com Deus. Ah! Continua linda desse jeito que você é. Tchau, tchau, até.
Passou por mim, me abraçou, falou comigo. Quando terminou, olhou ao redor e disse:
- Faltou falar com alguém? Não, né? - Mas o seu olhar cruzou com o meu e...- Ah! Como pude me esquecer de você? Poxa, vida! Tchau, tchau, querida. Continue com toda essa beleza. Ah, que sorriso lindo! Não deixe que ele desapareça, se cuida, até. 
Falou comigo novamente.
E, assim, passou a cumprimentar a todos mais uma vez. E mais uma vez. E mais uma vez. E mais uma vez. 
Seus filhos tinham paciência. Deixavam que ela falasse com todos duas vezes, pelo menos, mas chegava uma hora em que precisariam colocar um ponto final em todos aqueles abraços e beijos, se não nunca sairiam de lá.
Flor falou comigo de novo. Abracei-a com gosto e sorri, como da primeira vez. Recebi o mesmo olhar, o mesmo abraço, o mesmo sorriso, o mesmo carinho, as mesmas palavras, os mesmos desejos e pedidos delicados como se fosse a primeira vez em que eu tivesse recebido-os. 
- Vamos, mãe. A senhora já falou com todos. 
- Não, não. Falta falar com a tua tia. Só um minuto, filha, só um minuto. Ô, Cibele! Não falei contigo, vem cá, vem cá. 
E lá ia ela novamente. 
Do canto, assistia Flor com cuidado, com um sorriso fraquinho nos lábios que escondia uma preocupação: será que piora? Por enquanto, era engraçadinho. Mas, com o passar do tempo... E se ela se esquecer de todas as suas outras memórias? Ah, ela tem memórias tão lindas. Sempre que nos encontramos, ela me conta sobre a época em que vivia na fazenda de seu pai em Minas Gerais. Lembra de tudo tão perfeitamente que cada palavra dita me pega pela mão e me faz voltar no tempo com ela, ir até Minas, andar a cavalo, sentir o vento... Ah, Flor, Flor... Ah, Flor...
Acordei ao ver que ela estava caminhando até a mim novamente.
- Tchau, querida. 
- Vamos logo, mãe!, gritou sua filha do portão. 
- Ai, esses filhos de hoje em dia não sabem mais esperar... Tchau, tá? Continua sempre... 
- Com esse sorriso. 
- O meu nunca mais morrerá.
- Não esquece de fazer as suas cruzadinhas, viu?
- Não esqueço, não.
Lançou-me um olhar de carinho, passou a mão pelo meu cabelo. Ficamos assim não sei por quanto tempo. A tela pintada por este momento me presenteou com uma pincelada de eternidade que, mesmo quando passasse, continuaria em mim, seria eterno em mim. Despertamos assim que sua filha gritou novamente. Apressada, porém ainda com olhar calmo, ela disse: - Um beijo, se cuida. 
- Tchau, Flor, tchau. E... não se esqueça de lembrar, por favor. 

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