sábado, 24 de novembro de 2012

Reticências, primeira parte.

- É tão difícil...
- Tão difícil o quê?
- Tudo... Tudo é difícil. É difícil falar até mesmo a palavra difícil. É difícil te responder, me fazer falar quando estou com você... É difícil te olhar, deixar o meu olhar no seu... É difícil... É difícil terminar uma frase contigo. É difícil, meu Deus, como é difícil.
- É difícil, mesmo. É difícil te olhar quando sei que o seu modo de olhar não é o mesmo que o meu. É difícil saber que seus pensamentos sobre mim são diferente dos meus sobre você, que os seus sentimentos, ah, os seus sentimentos... É difícil... É difícil, fico com nó na garganta, aperto no peito, vontade de te abraçar, de te levar pra Terra do Sempre comigo... É difícil saber que você veria esse abraço de uma forma diferente do que ele realmente seria. É difícil saber que... que... Ah... Por que isso foi acontecer, meu Deus? Por que você? Por que eu? 
Mexeu o café com suspiros e concentrou seu olhar vago nos movimentos também vazios do café como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. Deixaram os olhares perdidos na paisagem fora da janela. Queriam perder os olhares fora da janela daquela situação, assim, com salto, pulo, fuga; queriam quebrar o vidro daquela paisagem deles e sumir com todos os cacos que se espalhariam por dentro do possível nós; queriam olhar tudo de cima, queriam não sentir o que sentiam, mas sentiam, sentiam, sentiam. 
Uma lágrima caiu. 
Era impossível controlar qualquer reação naquele momento. Se a lágrima ameaçasse cair, ela cairia. E caiu.
Desprendendo-se do vazio num susto, ele olhou para ela... 
- Não chore, por favor, não chore. 
- Não chorar?! - Dizia ainda com os olhos cheios de estrelas mortas que brilhavam insistentemente - Venha, pegue meu coração, arranque-o de mim, só assim não vou chorar. Venha, pegue meu coração e coloque-o no lugar do seu, quero ver se não irá chorar assim. Venha, pode pegar até porque ele não mais me pertence, não mais bate a todo segundo para me manter respirando, para me manter pensando, para me manter viva, mas somente bate para te manter respirando em mim, para me manter pensando em ti, para te manter vivo, bem vivo aqui.
- Sou difícil de chorar mas, acredite, estou dilacerado. Cada canto meu chora. Definitivamente, não estamos em tempos de risos. 
- E pensar que poderíamos acabar com isso tudo...
- Poderíamos?
- Poderíamos. Mas não podemos, não vê? Não vê que o que traz tanta dificuldade são todas essas correntes que carregamos em nós? Não vê que o difícil não está na situação, mas na gente? Porque a situação está aqui, e isso você consegue perceber, conhecer cada detalhe. Mas e o que te prende? Consegue se soltar? Consegue se deixar voar pelo o céu da gente, só da gente? As nuvens só nossas nunca formariam uma tempestade... Mas seus olhos preveem somente tempos cinzentos, pensou.
Não teve coragem de dizer seu pensamento em voz alta. Se fosse dito, mesmo que em sussurro praticamente inaudível, a praga poderia tornar-se realidade. Mas a verdade era que o "tornar-se realidade" já era real, já havia se tornado faz tempo mas... E o medo de admitir e trazer outros tornados ao bom tempo? 
Entre toda a agonia, uma pausa, um sorriso tão pequeno que quase não era um sorriso. Ela ficou imaginando o céu, os passarinhos, o tempo de cantos de volta. 
-  Não vejo, não consigo. - Ele respondeu.
O não-estamos-em-tempo-de-sorrisos voltou para ela antes mesmo que algum passarinho pudesse dar o primeiro pio, o primeiro voo.
- Não vejo... não vejo... Sou cego do coração... Sou insensível dos olhos... Sou surdo da mão. A minha corrente é não me acorrentar. - Admitiu isso com enorme pesar, desejou baixinho e de fininho que não fosse assim como era.
- Não se acorrentaria... Não vê que assim seria livre? Se sua corrente é esta, está me dizendo que tem uma corrente, então, se acorrenta. E onde está a parte do não se acorrentar? 
- Liberdade... Sonhei tanto em consegui-la... Nunca a terei... - Seus pensamentos envolviam-no como num sonho, nem mesmo ouviu o que foi dito.
- Terá... Comigo... Teremos. - Sua voz soava como uma súplica, assim como o seu olhar.
- O tempo me acorrenta, a vida me acorrenta, será o amor mais uma corrente? Farto estou de correntes da alma... Farto estou de correntes da vida... 
- E não vive. 
- O quê?
- Não vive, simplesmente não vive. Não ama, tem medo, morre de medo de amar. 
- Medo?
- Sim... Não vê de novo, já sei... 
- Medo, nunca tive medo, que história é essa?
- Nunca teve medo?! Ah, ora essa! Então, prove. Olha pra mim, me encare. 
Ele desviou o olhar, não conseguia deixar que seus olhares se encontrassem por muito tempo.
- Eu disse olha pra mim. Olha. 
Relutante, olhou. Olhou tímido, prestes a desviar novamente, mas algo o acorrentou e não conseguiu voltar seus olhos para o nada, para o vento que balançava a árvore tranquila lá fora, fora de toda a cena, fora deles. Viu o que queria ver mas não conseguia. Viu o que não se permitia enxergar mas que esteve na sua frente todo o tempo. Viu-a. Viu seus olhos. Viu seus lábios, seu cabelo, suas mãos perto das suas. Implorou, mentalmente, para que elas se mexessem, se aproximassem somente mais um centímetro, que se encostassem, se tocassem, se sentissem. Viu a realidade. Não viu mais a dificuldade. Tudo estava ali, o suspiro, o café, tudo. 
Os corações trocaram-se naquele momento, o dele passou a ser dela e o dela, bom, o dela já era dele. Os corações suspiram de felicidade, de alívio, deixando todos aqueles suspiros que mergulhavam e nadavam no café sonhando em ser, um dia, como eles.
Ela. 
Ele.
Jun
Tos.
Final
mente.

2 comentários:

Karoline. disse...

Lary, tu coloca as palavras de um jeito que eu coloco os olhos nelas e quando vejo tô lá no meio do que elas dizem. As vezes me agonio, tiro fora os olhos, mas logo não resisto e mergulho nas tuas cenas. É difícil se deixar levar quando tudo é bonito demais, parece inseguro, mas eu continuo. Amor é bonito demais, dói lembrar do quanto eu fugi de sentir. Acho que nós duas sabemos. O quanto esse texto é intenso, Lary, me faz mergulhar nos teus mares várias vezes.

Portal de Blogs Teia disse...

Olá.
Postagem divulgada no Portal Teia .
Até mais