Entre a fala, soltou uma palavra. Um susto, na verdade. Um impacto.
- Para!
O susto respondeu, assustado. Tomou controle do meu corpo, moveu meus lábios. Sem respirar, disse.
- Para... - respirando - O que você disse?
- Disse o quê?
- Isso que você acabou dizer, o que foi?
- Isso que eu... (susto)... Ser? Eu disse...
- Ser, disse ser!
Estranhou a própria voz que tinha saído ao dizer aquela palavra. Estranhou a própria palavra ter saído ali, naquele momento. Estranhou. Não sei se percebeu - percebi -, mas não havia hora mais certa para ter aparecido. Tinha que ser dita. Ali. Tinha que fazer parte do vento daquele ambiente. Saltou como um passarinho que voa tão alegre que parece até assustado, de tão veloz. E também como o passarinho: poderia ser perdida no segundo depois, se escapar entre os sons das palavras e dos silêncios, de tanto que sabe cortar o ar e viver camuflada. Camufla-se por ser camuflada por nós. Ela não tem necessidade de autoproteção, nós que temos a mania de nos proteger da realidade, escondendo-a embaixo dos narizes, dos tapetes. Mas narizes não aguentam o mundo; mas de poeira em poeira, o tapete forma uma montanha e passa a ser notado. E quando esse for o agora?
Ser.
Ele disse ser. Disse ser no momento em que eu contava-lhe sobre a realização de um dos meus planos, o caminho que segui após ter decidido não temer ao medo e me expor ideias filhas de meus valores que carregava comigo em silêncio. Elas em silêncio, eu em silêncio. Falava sobre o momento igualíssimo em que apareceu: o pensamento interior que se exterioriza: s e r. Vozes-flashes permanentes que se tornam palavras, e são ouvidas, e pintam-te como exatamente o que há dentro de se: s e r.
Ser entre sonhos. Ser entre caminhos. Ser entre passos. Disse ser entre frases. E foi. A voz veio do eu-interno que quase não fala com o mundo, num tom incontrolável que se demorasse mais um segundo passaria a ser controlado e não mais teria existido. Um grito: ser! Ser, no infinitivo. Enquanto passados são o fui-fora, futuro era seria-será, presente é, este veio no tempo do infinito. Não dizia para ser, que foi, que seria, que era. O grito-quase-perdido tão pequeno-enorme quanto o ar, disse: ser. Ser. Acima de tudo, ser. Apesar de tudo, ser. Ser, todavia, entre as vidas. Entre todas as vias, os caminhos seguidos e não, ser. Ser, já que foi. Ser porque é. Ser por será.
[Ser. Disse ser.
O tom fez-se presente e instante que existe.
(Canto, Clarice.)
[Ser. Disse ser.
O tom fez-se presente e instante que existe.
(Canto, Clarice.)
Dia 29 de julho de dois mil e ter-se.]
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